terça-feira, abril 07, 2015

Sobre a corrida (e a vida)



Há uns anos, quando li o livro "Auto-retrato do escritor enquanto corredor de fundo", de Murakami, identifiquei-me imenso com o que ele referia sobre o facto de a corrida ser um momento de meditação, em que tudo pára e nos encontramos connosco, frente a frente e sem dispersões. Este é, sem dúvida, um dos grandes motivos pelos quais adoro correr... Por, nesses quilómetros, pensar em tudo o que tenho na vida, o que quero fazer, o que gostaria de fazer e como o irei fazer. Por, através disso, aprender algo que julgo fundamental para o nosso dia-a-dia: a focar-me no objetivo. Mesmo que as pernas doam e comecem a falhar ou que o corpo nos diga que é hora de desistir, o objetivo que temos é aquilo que nos move e nos faz lutar contra esse sofrimento físico. É o combustível que nos alimenta e ao qual vamos buscar a energia que nunca pensámos, sequer, ter. Não é o corpo que manda, mas sim a mente, e apercebemo-nos que ela é a força mais poderosa que temos e à qual nem sempre damos ouvidos. Damos por nós a lutar contra o nosso corpo, numa querela onde a mente sai, quase sempre, vitoriosa, provando a sua indiscutível  supremacia. E isto faz-me pensar que tudo na vida se pode comparar a uma corrida ou, dito de outra maneira, que a corrida é uma analogia da vida. 
Somos peritos em arranjar desculpas, mil e um argumentos laboriosamente detalhados e complexos, apenas e só com o objetivo de nos convencermos (ou convencermos a nossa mente) de que não somos os culpados por não fazermos aquelas coisas que realmente gostaríamos. Aquelas que, e ainda que loucas ou quiçá megalómanas,  guardamos como sonhos envoltos na esperança da concretização. É a falta de tempo (esse argumento fantástico da sociedade moderna), os compromissos profissionais, a família, a casa (e tantos outros que não vale a pena detalhar), que se afiguram como perfeitos álibis para a cómoda procrastinação em que assenta a nossa vida. Os sonhos ficam guardados em gavetas até ao dia em que, já bolorentos, as decidimos abrir e constatamos (não sem mágoa, é certo!) que já somos velhos demais para lhes limpar o bolor e o cheiro a naftalina. O tempo, cruel e impiedoso, continua a passar. Não espera pelo fim de semana ou férias (nos quais achamos que teremos mais tempo), nem tão pouco pela reforma que cada vez se avista mais longe.
Por isso, talvez esteja na hora de olhar para a vida como olhamos para uma corrida; nós somos o nosso próprio treinador e não há nada que nos possa fazer parar. Conhecer os nossos sonhos e saber quais os nossos objetivos é meio caminho para os concretizar. E com isso vem o grande segredo do sucesso: a motivação intrínseca, a vontade que vem de dentro de nós próprios e à qual vamos buscar energia, mesmo quando tudo parece correr mal ou todos dizem que não conseguiremos. Não há nada que deite abaixo uma mente convicta do que quer, simplesmente porque um espírito lutador e perseverante é sempre vencedor. E é por tudo isto que acredito cada vez mais que tudo o que precisamos está dentro de nós. Basta parar, procurar, organizar, definir e, o mais importante, deitar as mãos à obra.
Se dá trabalho? Dá. Mas não haja dúvida que cortar a meta é das melhores sensações que há. Não importa se o fazemos com um mau tempo, com dores em todo o corpo ou com bolhas nos pés. Importa, sim, que conseguimos lá chegar. E que da próxima vez será ainda melhor.
 
[Para que conste, eu ainda tenho muito que correr...]

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